
Introdução
A Maçonaria, enquanto escola de pensamento baseada em princípios simbólicos e filosóficos, transcende limites dogmáticos ao propor o constante aperfeiçoamento humano. Enraizada na tradição operativa dos antigos construtores e evoluída nos modelos especulativos modernos, ela bebe de diversas fontes do saber humano, mantendo seu caráter universalista e plural.
Neste contexto, os momentos marcados por mudanças naturais — como solstícios e equinócios — sempre desempenharam papel importante nos rituais maçônicos, seja como referências simbólicas, seja como elementos estruturantes da ambientação dos Templos. A Maçonaria, ao dialogar com a natureza e seus ciclos, reconhece nesses períodos a representação do eterno renascer, da alternância entre luz e trevas, da transformação contínua do ser.
Essa relação com os antigos cultos solares e as festas sazonais aproxima a Sublime Ordem de tradições religiosas ancestrais, sem, contudo, se converter em religião. A influência dessas manifestações culturais sobre os antigos mestres construtores é clara, sendo elas incorporadas à prática maçônica como caminhos de reflexão e crescimento. Com isso, a Instituição respeita as crenças pessoais de cada Irmão, mantendo a liberdade de consciência como princípio inegociável.

Com base nessa perspectiva simbólica e interpretativa, propõe-se neste ensaio uma abordagem sintética sobre a festividade da Páscoa — tanto em seu aspecto judaico quanto cristão — e suas possíveis ressonâncias dentro da vivência maçônica, especialmente na ligação com o equinócio da primavera no hemisfério norte.
A Páscoa
A palavra “Páscoa” tem origem no hebraico Pesach, passando pelo grego Páscha e pelo latim Pascha, e carrega consigo múltiplos sentidos ao longo da história. Inicialmente, tratava-se de uma celebração de pastores nômades da primavera, anterior até mesmo à Lei mosaica. Mais tarde, foi incorporada pelos hebreus como comemoração da libertação do Egito, marcada pela travessia do Mar Vermelho guiada por Moisés e a fuga do domínio egípcio.

Essa “passagem” — que dá nome à festa — representa para os judeus a transição da opressão para a liberdade, um rito de memória e gratidão. O ritual do Cordeiro Pascal, celebrado no 14º dia de Nissan, envolve o consumo de pães sem fermento e ervas amargas, remetendo à dureza dos dias sob cativeiro. A festa se estende por oito dias, e o primeiro e o último são consagrados como dias santos, respeitados com o Shabbath.
No contexto cristão, a Páscoa ganha novo significado ao se tornar símbolo da morte e ressurreição de Jesus. A crucificação teria ocorrido às vésperas da celebração judaica, e desde os primeiros séculos a data foi assumida como a principal solenidade cristã. A ressurreição, celebrada no domingo após a primeira lua cheia que sucede o equinócio de primavera, aponta para a vitória da vida sobre a morte e do espírito sobre a matéria.
A simbologia aqui contida transcende o aspecto teológico. A morte de Cristo, seguida de sua ressurreição, dialoga diretamente com o conceito de transformação interior, ideia central na jornada iniciática maçônica. A escuridão do túmulo dá lugar à luz da eternidade, assim como o inverno se rende ao esplendor da primavera, num ciclo contínuo de renovação. A data, portanto, não é escolhida ao acaso: ocorre entre 22 de março e 25 de abril, quando a luz do dia começa a superar a noite no hemisfério norte — um eco claro das antigas religiões solares.
São Paulo, em sua epístola aos Hebreus, relaciona a figura do cordeiro sacrificado ao Cristo como símbolo da entrega e do renascimento. Sem o propósito de proselitismo, essa analogia pode ser útil ao Maçom que busca compreender as etapas de sua própria evolução por meio dos arquétipos culturais e religiosos da humanidade.
A preparação cristã para a Páscoa se dá durante a Quaresma, um período de 40 dias dedicado à introspecção, penitência e purificação. O clímax se dá no Domingo de Ramos, que relembra a entrada de Jesus em Jerusalém — evento que prenuncia a mesma multidão que mais tarde o condenaria. Esta narrativa, lida sob a lente simbólica, nos leva à ideia de que o aperfeiçoamento exige sacrifício, transição e renascimento.

É aqui que a Maçonaria encontra na Páscoa um terreno fértil para reflexão. O ciclo da morte e renascimento está no cerne da jornada iniciática: morrer simbolicamente para o mundo profano e renascer como buscador da Luz. A alternância entre trevas e claridade representa o processo de autoconhecimento e transformação, e a primavera, que sucede o rigor do inverno, espelha a possibilidade de uma nova vida.
Na tradição cristã, o Sábado de Aleluia simboliza o silêncio entre a morte e a ressurreição, um intervalo sagrado que corresponde à pausa iniciática entre o abandono do velho e o nascimento do novo. Assim como na Páscoa judaica a libertação representa a transição da escravidão à liberdade, também no simbolismo maçônico o neófito atravessa seu próprio “Mar Vermelho” rumo à Verdade.
A ressurreição de Cristo, mesmo quando abstraída de seus dogmas, oferece ao Maçom um paradigma espiritual: sair das trevas da ignorância rumo à Luz do conhecimento e da consciência. A Terra, aquecida novamente pelo Sol após o rigor do inverno, revive e floresce — metáfora perfeita para o reinício do ciclo da vida.
Conclusão
A Maçonaria, ao explorar o significado da Páscoa, não se propõe doutrinar, mas sim oferecer instrumentos para a leitura simbólica do mundo e da jornada do Homem em direção à Luz.
É nesse horizonte que os Ritos e os Trabalhos da Maçonaria se desenvolvem, respeitando a diversidade de culturas e sistemas de crenças que compõem o tecido humano. A missão do Maçom é, entre outras, a de buscar o conhecimento com isenção e rigor, sem preconceitos nem superstições.
Palavras como “vida, morte, renascimento, passagem, aperfeiçoamento, ciclo, luz e trevas” devem soar familiares ao ouvido do Iniciado. São elas que costuram o tecido simbólico da Arte Real, apontando que todo mito, toda cerimônia, toda tradição, quando bem compreendida, pode se tornar ponte para a Verdade.
A ignorância e a superstição permanecem os verdadeiros inimigos do progresso humano — e, por isso mesmo, contrários à própria natureza da Maçonaria.
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