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Papa Leão XIV e a Maçonaria: Continuidade ou Mudança?

Na Cidade do Vaticano na última semana, ecoaram os sinos da Capela Sistina, anunciando ao mundo que o Colégio dos Cardeais concluiu o Conclave com a eleição de um novo sucessor de São Pedro, a fumaça branca elevou-se sobre os céus de Roma, selando o nome do novo Sumo Pontífice da Igreja Católica Romana: Leão XIV.

Muitos já o associam ao seu país de origem — os Estados Unidos da América. Natural de Chicago, Leão XIV é o primeiro papa americano da história moderna, algo que muitos especialistas consideravam altamente improvável devido à longa tradição europeia — especialmente italiana e mais recentemente sul-americana — na escolha dos pontífices. O simbolismo de sua eleição, portanto, já carrega consigo um peso considerável em termos de geopolítica religiosa e ecumenismo global.

Contudo, é o nome escolhido por este novo bispo de Roma que suscita uma reflexão mais profunda. O último pontífice a portar o nome “Leão” foi Leão XIII, cujo papado se destacou por um posicionamento firme e contundente em relação à Maçonaria. Em 20 de abril de 1884, Leão XIII publicou a encíclica Humanum Genus, um documento que permanece, até hoje, como uma das mais severas condenações da Maçonaria feitas por um papa.

O Eco de um Leão do Passado

A escolha do nome “Leão XIV” convida à especulação: teria o novo pontífice a intenção de evocar a memória e o legado doutrinário de Leão XIII? Seria um sinal de continuidade com uma visão mais tradicional e conservadora da doutrina católica, especialmente no que diz respeito à relação histórica com a Maçonaria?

A encíclica Humanum Genus descreve a Maçonaria como uma força ativa contra os valores cristãos, acusando-a de promover o racionalismo, o laicismo e a destruição da ordem social baseada na moral católica. Leão XIII a apresenta como um inimigo aberto e declarado da Igreja, cujos membros estariam trabalhando nas sombras para afastar a humanidade de Deus. As palavras da encíclica ressoam com força, mesmo após mais de um século, e são frequentemente citadas por estudiosos que investigam os conflitos entre Igreja e sociedades secretas.

Recomendo, portanto, a leitura atenta da Humanum Genus — não apenas por seu conteúdo doutrinário, mas como documento histórico que nos permite compreender o espírito da época e as preocupações institucionais da Santa Sé diante das mudanças sociais e políticas do século XIX.

Maçons e a Liberdade dos Povos

O século XIX foi um tempo de profundas transformações. O poder temporal da Igreja foi reduzido em vários territórios: das Filipinas à América Latina, passando pela própria Itália. A ascensão dos ideais de liberdade, igualdade e fraternidade foi marcada por revoluções que, em muitos casos, contaram com a liderança de maçons ilustres: José Rizal nas Filipinas, Simón Bolívar na América do Sul, Benito Juárez no México, Giuseppe Mazzini e Giuseppe Garibaldi na Itália. Homens que lutaram por independência, autodeterminação e modernidade, muitas vezes em confronto direto com os interesses do clero e do absolutismo monárquico.

José Rizal nas Filipinas, Simón Bolívar na América do Sul, Giuseppe Mazzini na Itália, Benito Juárez no México e Giuseppe Garibaldi na Itália

Essas figuras não foram apenas políticas; foram símbolos de uma mudança de paradigma — e, por isso mesmo, encaradas como ameaça por uma Igreja que buscava preservar sua influência sobre os destinos dos povos.

Gênese do Ritual na Igreja e na Maçonaria

Nos primeiros séculos, o Cristianismo era uma tradição profundamente iniciática, bastante diferente da religião institucionalizada que se consolidaria com o Império Romano. Desenvolvido em um ambiente cultural permeado por religiões de mistério — como os cultos de Elêusis, Mitra, Ísis e Dionísio — o Cristianismo nascente partilhava com essas tradições uma abordagem simbólica e espiritual da existência. Nessas religiões antigas, os iniciados passavam por rituais secretos de morte e renascimento espiritual, acessando ensinamentos ocultos sobre a alma, o cosmos e o destino.

De forma semelhante, o Cristianismo primitivo preservava uma dimensão reservada aos iniciados. O batismo, por exemplo, era compreendido como um rito de transformação interior: a morte do “homem velho” e o nascimento de uma nova criatura em Cristo. A eucaristia, realizada muitas vezes em segredo, não era apenas um memorial, mas um ato de comunhão mística e transfiguração espiritual. Os primeiros cristãos referiam-se frequentemente aos “mistérios da fé”, reservando os ensinamentos mais profundos àqueles preparados para compreendê-los — muito próximo ao espírito das antigas escolas de mistério.

A Maçonaria como herdeira simbólica dos Mistérios

A Maçonaria, embora tenha surgido formalmente na era moderna, reivindica para si a continuidade dessas tradições iniciáticas. Sua origem operativa está nas corporações de pedreiros medievais, mas sua forma especulativa — como fraternidade filosófico-espiritual — incorporou símbolos que remetem tanto aos mistérios antigos quanto ao Cristianismo esotérico. Os rituais maçônicos são organizados em graus de iniciação, nos quais o iniciado vivencia simbolicamente a morte e o renascimento — um percurso de autoconhecimento, lapidação moral e busca pela luz da sabedoria.

A correspondência simbólica entre o Cristianismo primitivo e a Maçonaria é clara: ambos conduzem o iniciado a uma nova percepção da realidade. Ambos o convidam a deixar o mundo profano e ingressar em um caminho de elevação espiritual, disciplina ética e comunhão com uma verdade superior. A figura do “homem novo”, regenerado pelo espírito e pela verdade, é central nas duas tradições.

Os símbolos maçônicos — colunas, ferramentas de construção, o templo de Salomão e o arquétipo do mestre assassinado e ressuscitado — evocam os mesmos princípios de transformação interior que inspiraram o Cristianismo antes de sua institucionalização.

Afinidade espiritual, não continuidade histórica

Para pensadores esotéricos como Manly P. Hall, Albert Pike e René Guénon, a Maçonaria seria a guardiã contemporânea dos antigos mistérios e do espírito original do Cristianismo — anterior à sua dogmatização. Ela não é uma religião, mas um caminho simbólico e filosófico que transmite, por meio de rituais e alegorias, verdades universais que também estiveram presentes nas primeiras comunidades cristãs.

Assim, a ligação entre o Cristianismo primitivo e a Maçonaria não se dá por uma continuidade histórica direta, mas por uma profunda afinidade simbólica e espiritual. Por trás de formas externas diferentes, ambas as tradições apontam para uma mesma busca essencial: o encontro com o divino e a realização do ser interior.

Leitura recomendada

Para quem deseja se aprofundar nessa relação ritualística entre a Igreja Católica e a Maçonaria, recomendo o livro As Origens do Ritual na Igreja e na Maçonaria, de H. P. Blavatsky.

Blavatsky foi uma influente escritora russa, cofundadora da Sociedade Teosófica, e desempenhou um papel fundamental na sistematização da Teosofia moderna.

Adquira o livro, clicando aqui.

Um Número e um Verso

Ao observar a composição atual do Colégio de Cardeais, chamou-me a atenção o número 133. Esse número, por acaso, evoca um salmo conhecido:

“Oh! Quão bom e quão suave é que os irmãos vivam em união.”
— Salmo 133:1

Talvez este seja um convite à reconciliação, ao diálogo e à busca de um novo tempo de entendimento entre tradições que, embora distintas, partilham valores éticos fundamentais.

A eleição de Leão XIV representa um marco simbólico e político dentro da Igreja Católica. Seu nome, carregado de história e significado, pode indicar tanto uma retomada do conservadorismo e da ortodoxia quanto um gesto estratégico para reafirmar princípios e reafrontar questões antigas sob nova roupagem. Enquanto o mundo aguarda suas primeiras palavras e diretrizes, resta-nos refletir: será este um novo Leão disposto a rugir contra os antigos inimigos da fé, ou um diplomata da nova era buscando pontes onde antes havia muros? Só o tempo dirá.

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