Entre os diversos ritos que atraíram os maçons mais estudiosos e buscadores das Ciências Superiores, destaca-se a Ordem dos Cavaleiros Maçons Eleitos Cohen do Universo — em francês Ordre des Chevaliers Maçons Élus Coëns de l’Univers —, mais conhecida simplesmente como Élus Coëns (às vezes erroneamente grafado como Elus Cohens ou confundido com o hebraico Kohens, que significa “sacerdotes eleitos”). Seu prestígio é tão marcante que, apesar de conquistar inúmeros adeptos, sempre preservou com extremo zelo o segredo de seus ensinamentos e práticas esotéricas.
O surgimento dessa ordem está diretamente ligado à enigmática figura de Martinez de Pasqually, personagem cercado de lendas e controvérsias sobre sua origem. Enquanto alguns alegavam que ele seria de ascendência síria ou judaica, documentos oficiais esclarecem sua verdadeira identidade.
Graças às pesquisas publicadas por Madame René de Brimont, com base em arquivos da região de Gironda, sabemos que seu nome completo era Jacques de Livron de la Tour de la Case Martines de Pasqually, filho de Don Martinez de Pascally, nascido em Alicante (Espanha), e de Suzanne Dumas de Rainau. Martinez nasceu em Grenoble, em 1727, e faleceu em Saint-Domingue, em 20 de setembro de 1774.
Esses registros comprovam que ele era católico e não judeu, como alguns sugeriam, embora tenha se aprofundado nas tradições cabalísticas e místicas judaico-cristãs, algo comum entre os praticantes da magia cerimonial da época.
Qual é a doutrina dos Élus Coëns?

Martinez de Pasqually dedicou sua vida a transmitir, sob a aparência de um rito maçônico convencional, um verdadeiro sistema de teodiceia, cosmogonia, gnose e filosofia espiritual. Sua proposta ia muito além da maçonaria simbólica: buscava a reintegração espiritual do homem, uma ideia central que moldaria todo o seu ensinamento.
Por isso, ele só aceitava maçons regulares e mestres em sua ordem. Mais que isso, estabeleceu como pré-requisito a passagem pelos três graus simbólicos da maçonaria (Aprendiz, Companheiro e Mestre), formando a base iniciática sobre a qual se ergueria seu sistema teúrgico.
Com a missão de restaurar a ligação direta entre o homem e a Divindade, através da construção de uma “Igreja Invisível”, independente de qualquer estrutura material ou eclesiástica. Seu objetivo é conduzir os iniciados ao caminho de retorno à unidade primordial perdida desde a Queda de Adão.
A teurgia dos Coëns envolve a evocação de espíritos intermediários — anjos, inteligências celestes e seres superiores —, cuja função é auxiliar o iniciado em sua jornada espiritual.
O sistema maçônico foi adaptado como uma estrutura organizacional conveniente para sustentar esses trabalhos esotéricos e ocultistas.
Simbolismo e Instrumentos do Élus Coëns

O Tapete-Círculo de Invocação, repleto de selos, sigilos e nomes sagrados, é um dos elementos centrais dessa tradição. Seus ensinamentos mergulham profundamente na tradição judaico-cristã, reinterpretada sob uma ótica esotérica, influenciada fortemente pela Cabala e pelo Gnosticismo Valentiniano, visíveis nos rituais, textos e catecismos redigidos por Pasqually.
As orações derivadas da liturgia cristã eram usadas como instrumento de purificação e defesa espiritual, visando expulsar a influência de Satanás da humanidade.
Os trajes dos membros, compostos por avental, faixa e joia, refletem essa simbologia sagrada, rica em significados ocultos.
O Arquiteto no Martinezismo: Hiram Abiff
A lenda de Hiram, pilar simbólico da maçonaria, ganha no sistema dos Elus-Cohen uma interpretação muito mais profunda. Enquanto na maçonaria regular ela é transmitida de forma simbólica e moral, no Rito Cohen ela é elevada à condição de mito teogônico, explicando o drama da criação, da queda e da redenção espiritual do homem.
Porém, essa interpretação esotérica só era revelada nos graus superiores. Nos graus simbólicos, o ensinamento permanecia velado, preservando o segredo da doutrina interna.

Segundo registros como as Instruções Particulares aos Coëns de Lyon, conservadas na Biblioteca de Lyon, Hiram não teria sido assassinado. Em vez disso, ele teria simplesmente abandonado seu ofício, desgostoso pelos pecados cometidos pelo rei Salomão.
Hiram, nesta visão, não era um homem mortal comum, mas uma entidade sublime, portadora de santidade, enviada pelo Grande Arquiteto do Universo. Ele é apresentado como um dos seis grandes eleitos, juntamente com Eli, Enoque, Melquisedeque, Ur e Elias. Todos eles prefiguram o sétimo e último eleito, o Corretor ou Reparador, Nosso Senhor Jesus Cristo.
Desse modo, Hiram, como mestre construtor do Templo de Salomão, se torna símbolo precursor da vinda de Yeshua Ha’Mashiach, o arquiteto da Igreja do Novo Testamento.
As Origens Maçônicas de Martinez
O próprio pai de Martinez, Don Martinez de Pascally, possuía uma patente maçônica emitida em 30 de maio de 1738, pela Loja Stuart, na Inglaterra, que o autorizava a fundar e administrar lojas e capítulos maçônicos. Foi com base nesse documento que Martinez fundou, em 1754, o Capítulo “Les Juges Ecossais” em Montpellier.
Entre 1755 e 1760, ele percorreu várias cidades da França, difundindo sua ordem e reunindo discípulos. Embora tenha encontrado resistência em algumas lojas, como as de Toulouse, foi bem acolhido em Foix, onde fundou o Capítulo “Templo Cohen”.
A Expansão da Ordem dos Elus-Cohen
Por volta de 1770, a Ordem já contava com templos espalhados por várias cidades francesas, como Bordeaux, Montpellier, Avignon, Foix, Libourne, La Rochelle, Versalhes, Paris, Metz e, posteriormente, Lyon — que se tornaria a sede simbólica da Ordem, graças à atuação de Jean-Baptiste Willermoz.
Os três graus simbólicos — Aprendiz-Cohen, Companheiro-Cohen e Mestre-Cohen — mantinham exteriormente a aparência da maçonaria tradicional. No entanto, já traziam pequenas pistas e alusões à doutrina secreta, que só seria plenamente revelada nos chamados Graus do Templo e na Classe Secreta dos Réaux-Croix.
Os Graus Superiores: Do Simbolismo à Alta Teurgia
Os Graus do Templo representavam os chamados graus elevados. Entre eles, destacavam-se:
- Grão-Arquiteto: exigia do iniciado um rigoroso regime de purificação, semelhante ao dos levitas no Antigo Testamento. Nesse grau, o trabalho espiritual consistia na expulsão das forças demoníacas da esfera terrestre, por meio de rituais de exorcismo, tanto coletivos quanto individuais.
- Grão-Eleito de Zorobabel (ou Comandante do Oriente): esse grau servia como um período de pausa nas operações mágicas. O iniciado meditava sobre os fundamentos da doutrina e se preparava para sua futura ordenação na Classe dos Réaux-Croix.
A Classe Secreta dos Réaux-Croix
O grau máximo da Ordem era o de Réau-Croix, cuja função era colocar o iniciado em contato direto com os Mundos Celestiais, por meio de evocações e operações de alta magia. Enquanto o grau de Grão-Arquiteto se dedicava ao exorcismo e à purificação do mundo, o Réau-Croix trabalhava na atração das forças celestiais para colaborar na Reintegração Universal.
Há indícios, segundo cartas de Saint-Martin, de que existia ainda um grau mais elevado e secreto, designado pelas siglas “GR”, possivelmente significando Grand Réau-Croix, reservado aos mestres mais avançados na ciência da teurgia.
O Livro Fundamental dos Élus Coëns
O pensamento e a doutrina dos Élus Coëns encontram sua expressão máxima na obra de Pasqually intitulada:
“Traité de la Réintégration des Êtres dans leurs premières propriétés, vertus et puissances spirituelles et divines” (Tratado da Reintegração dos Seres em suas Primeiras Propriedades, Virtudes e Potências Espirituais e Divinas).
Trata-se de um compêndio que articula a filosofia da Reintegração, oferecendo as bases metafísicas e espirituais para os rituais e práticas da ordem.
A Queda e o Legado
Antes de falecer, Martinez nomeou como seu sucessor seu primo Armand Caignet de Lestère, que, entretanto, não pôde administrar a Ordem adequadamente, sobretudo os templos estabelecidos em Saint-Domingue e na Europa. Isso levou a rupturas e divisões internas, processo comum em organizações esotéricas tão exigentes.
Apesar do declínio estrutural da Ordem dos Elus-Cohen após a morte de seu fundador, seu legado permaneceu vivo e exerceu profunda influência sobre movimentos como o Martinismo e o Rito Escocês Retificado, sendo até hoje uma das expressões mais elevadas da espiritualidade esotérica ocidental.
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