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Grau 30 da Maçonaria – Cavaleiro Kadosh ou Cavaleiro da Águia Branca e Negra do Rito Escocês Antigo e Aceito (REAA)

Recordamos aos Irmãos, bem como aos profanos interessados, que qualquer estudo sobre Maçonaria dirigido ao público externo deve conter somente informações de caráter geral — aquelas que já se encontram nos livros introdutórios de história, simbologia e filosofia maçônica. Os ensinamentos considerados reservados, transmitidos exclusivamente em Loja e nos momentos apropriados, permanecem restritos aos Iniciados da Ordem.

Portanto, tudo o que será exposto aqui está rigorosamente dentro dos limites do sigilo maçônico e tem como propósito maior promover o aperfeiçoamento ético, intelectual e espiritual daqueles que desejam beber dessa fonte de Luz que é a nossa Sublime Ordem Maçônica.

No Rito Escocês Antigo e Aceito (REAA), o Grau 30 – Cavaleiro Kadosh destaca-se pela densidade filosófica, riqueza histórica e força ritualística. Situado após os graus filosóficos (4º ao 29º), ele marca a transição do aperfeiçoamento moral para a consagração do Maçom como agente de Justiça e portador de uma missão superior.

O Grau compreende um processo iniciático dividido em três etapas: primeiro, a Iniciação como Cavaleiro do Templo; em seguida, como Cavaleiro da Águia Branca e Negra; e por fim, como Cavaleiro Kadosh propriamente dito. Assim como ocorre no Grau 9 (Cavaleiro Eleito dos Nove), este também se fundamenta no princípio da vingança. No entanto, ao contrário do Grau 9, cuja motivação é simbólica e lendária, aqui a razão tem base histórica e concreta: a execução do último Grão-Mestre da Ordem dos Templários, Jacques de Molay, queimado vivo por ordem do papa Clemente V e do rei francês Felipe, o Belo. Por essa razão, duas caveiras presentes no túmulo simbólico ostentam a tiara papal e a coroa real. Trata-se, portanto, de um Grau profundamente vinculado ao espírito e à tradição templária.

Significado e Etimologia de “Kadosh”

O termo Kadosh, de origem hebraica (קדוש), significa literalmente “santo”, “separado” ou “consagrado”. No contexto esotérico da Maçonaria, especialmente neste grau, tal termo remete àquele que, tendo atravessado as provas do caminho iniciático, sublima os impulsos materiais e profanos para consagrar-se ao serviço da Verdade, da Justiça e da Liberdade. O Kadosh não é um santo no sentido dogmático, mas sim aquele que foi apartado do comum, que se elevou à condição de cavaleiro da consciência e da missão ética. Frequentemente, tanto o nome completo quanto suas siglas aparecem abreviados em documentos maçônicos como “K.–H.” , “C.’.K.’.H” ou C.’.K.’.S.’.

Origens Históricas e Simbólicas

Com raízes históricas entrelaçadas à memória dos Cavaleiros Templários e à mítica reconstrução de uma Ordem justa e espiritualizada, este grau se desenvolveu durante o século XVIII como expressão de uma inquietação maçônica profunda: a restauração da dignidade humana e o combate às trevas da tirania, do fanatismo e da ignorância. A Águia bicéfala — símbolo maior deste grau — com uma cabeça voltada para o Oriente e outra para o Ocidente, representa o domínio do espírito sobre o mundo, a vigilância constante e a conciliação dos opostos. Negra e branca, ela expressa a dualidade reconciliada: luz e sombra, morte e renascimento, destruição do erro e edificação da Verdade. A cruz patente no peito do Kadosh, os signos e palavras sagradas, a espada flamejante e os juramentos solenes que o Iniciado profere em sua investidura, compõem um conjunto simbólico que une tradição templária, moral cristã-gnóstica, ideais iluministas e fundamentos cabalísticos.

Este grau, muitas vezes cercado de mistérios e mal-entendidos, é o culminar de uma trajetória iniciática que começou com o simples Aprendiz no primeiro grau, seguiu por múltiplas etapas de lapidação interior e, agora, se projeta rumo à ação consciente no mundo. O Cavaleiro Kadosh não é um contemplativo isolado, mas um agente transformador: aquele que se ergue para restaurar o que foi profanado, para julgar com retidão, para lutar — simbolicamente — contra os inimigos da Luz, em si mesmo e no mundo.

Não por acaso, o Grau 30 carrega em si uma dimensão ritual dramática que simula o julgamento e a reparação da injustiça histórica perpetrada contra os Templários — lenda que, ainda que não deva ser tomada literalmente, serve como arcabouço simbólico para expressar a eterna luta entre o poder corrompido e a consciência desperta. A execução de Jacques de Molay, o papel de Filipe IV, o silêncio de Clemente V — todos esses episódios históricos são ressignificados na encenação ritual como representações das forças que o Iniciado deve enfrentar e transmutar.

“Não a nós, Senhor, não a nós, mas ao teu nome dá glória…” Salmos 115

A Herança da Ordem do Templo

A Ordem dos Pobres Cavaleiros de Cristo e do Templo de Salomão — os Templários — foi fundada em 1118, após a Primeira Cruzada, com a missão de proteger os peregrinos cristãos que se dirigiam a Jerusalém. Desde seus primórdios, a Ordem se apresentou como uma síntese singular entre a vida monástica e o ideal cavaleiresco. Sob a inspiração de São Bernardo de Claraval, que redigiu a Regra Latina dos Templários, os cavaleiros do Templo deveriam viver em obediência, castidade e pobreza, mas com a espada sempre empunhada contra os infiéis e os injustos.

A influência espiritual de Bernardo foi decisiva: seu texto “Elogio da Nova Cavalaria” redefiniu o papel do guerreiro cristão como alguém que, ao lutar no campo de batalha, trava também uma guerra interior contra o pecado. Essa concepção ecoa profundamente no ideário do Grau 30. O Cavaleiro Kadosh é, igualmente, um guerreiro espiritual — separado do mundo para combater suas trevas, movido não pela vingança, mas pela justiça transcendental.

A tragédia que encerra a história templária — sua perseguição pelas forças combinadas do rei Filipe IV de França e do papa Clemente V, culminando na execução de Jacques de Molay em 1314 — é o núcleo simbólico que estrutura o drama ritual do grau. O julgamento iníquo dos Templários, o silêncio cúmplice da Igreja e a cobiça da Coroa tornaram-se, na tradição maçônica, emblemas das forças que o Kadosh deve desafiar: a corrupção do poder, o dogmatismo e a traição à Verdade. A destruição da Ordem do Templo é vista como um crime simbólico contra a Luz e a Justiça, e o Kadosh é aquele que se levanta para restaurar simbolicamente o que foi profanado. Nesse sentido, o grau não é sobre revanche, mas sobre redenção.

Do Século XVIII à Ritualística Moderna

Apesar da inspiração templária, o Grau 30 como o conhecemos é fruto da Maçonaria especulativa e filosófica do século XVIII. Surgido no contexto do Iluminismo europeu, este grau representa a culminância de uma construção simbólica que visa formar um Maçom completo: aquele que, tendo atravessado a senda do autoconhecimento, é agora chamado a agir no mundo com consciência e propósito.

As primeiras referências documentadas ao Grau de Cavaleiro Kadosh remontam aos sistemas maçônicos que floresceram na França e na Alemanha por volta de 1750–1760, período marcado pelo surgimento de diversos altos graus que buscavam recuperar e reorganizar a tradição esotérica ocidental. Nestes sistemas, os rituais de inspiração templária proliferaram, geralmente com nomes como Chevalier du Temple, Chevalier de l’Aigle, Prince du Royal Secret ou Chevalier Kadosh.

O mais antigo registro visual de um “Cavaleiro Kadosh” remonta ao Conselho dos Imperadores do Oriente e do Ocidente, fundado em 1758, em Paris. Esse Conselho organizava um sistema ritualístico composto por 25 graus. Nessa estrutura original, o Grau de Cavaleiro Kadosh era denominado “Ilustre e Grande Comendador da Águia Branca e Negra, Grande Eleito Kadosh”, figurando como o 24º Grau do sistema.

Albert Pike
Albert Pike (29 de dezembro de 1809, Boston — 2 de Abril de 1891, Washington) foi advogado, militar, maçom e escritor dos Estados Unidos.

A codificação mais influente viria com o desenvolvimento do Rito Escocês Antigo e Aceito, consolidado entre 1801 e 1804 com a fundação do Supremo Conselho do Grau 33 em Charleston (EUA). O sistema organizado por este Supremo Conselho agrupava 33 graus, entre os quais o Kadosh ocupava o 30º posto — sinal de sua importância como ápice simbólico antes da administração dos graus supremos.

Durante o século XIX, o Grau passou por uma profunda revisão feita por Albert Pike, que na época liderava a Jurisdição Sul. Essa versão tornou-se padrão nessa jurisdição e foi novamente ajustada em 2000, preservando sua essência simbólica e filosófica.

Neste novo contexto, o Grau 30 ganhou forma definitiva: a lenda da vingança simbólica dos Templários foi incorporada ao drama ritual, a águia bicéfala se tornou emblema oficial do grau e a cruz patente, a espada e a inscrição INRI passaram a ocupar lugar central no simbolismo da câmara.

Este Grau, também já foi alvo de críticas, principalmente no início do século XX. A edição de 1918 da Enciclopédia Católica alegava que, durante a iniciação do Grau sob a Jurisdição Sul do Rito Escocês nos EUA, haveria um ritual que envolvia pisar sobre a Tiara Papal – o que sugeriria um viés anticatólico.

Entretanto, tal alegação não foi mantida nas edições posteriores da Enciclopédia e também foi contestada por vários estudiosos. O sacerdote William Saunders, em artigo publicado no Arlington Catholic Herald em 1996, retomou essa acusação, mas sem base ritual concreta.

Na verdade, nenhum trecho autêntico do ritual elaborado por Albert Pike menciona qualquer tipo de agressão simbólica à Igreja Católica ou seus símbolos, como tiaras papais ou caveiras. A associação com a antipapalidade remonta historicamente aos Cavaleiros Templários, cuja perseguição por ordens do Papa é lembrada por Pike em seu livro “Morals and Dogma”, mas esses comentários são reflexões pessoais de Pike, e não fazem parte oficial do ritual do Grau.

O caráter revolucionário desse grau também reflete os ideais iluministas e liberais que permeavam a Maçonaria da época. A crítica ao despotismo, a valorização da razão, o compromisso com a liberdade de consciência e a oposição ao fanatismo tornaram-se elementos doutrinários subentendidos na formação do Kadosh.

A história do grau nos mostra, portanto, uma síntese notável entre o espírito templário medieval e a consciência crítica moderna. Entre o monge-cavaleiro e o cidadão livre. Entre o servo de Deus e o construtor do Templo interior.

Ornamentação da Loja

A Loja do Cavaleiro Kadosh está organizada em quatro Câmaras distintas, cada uma com um nome e função específicos: o Sepulcro, o Conselho, o Areópago e o Senado.

O Sepulcro funciona como uma espécie de Câmara de Reflexão. Suas paredes são revestidas de negro, e a iluminação é escassa, vinda apenas de uma lâmpada fraca pendurada no teto. No centro, há um ataúde coberto por um pano preto, sobre o qual repousam três caveiras. Essas caveiras, colocadas da esquerda para a direita, estão ornadas com diferentes coroas: uma tiara papal, uma coroa de louros e uma coroa real decorada com flor-de-lis. Elas simbolizam, respectivamente, o Papa Clemente V, Jacques de Molay e o Rei Felipe, o Belo. Na câmara também se encontra inscrita a seguinte máxima: “Aquele que superar os horrores da morte elevar-se-á acima do plano terrestre e estará apto a ser iniciado nos Grandes Mistérios.”

O Conselho, por sua vez, possui decoração branca e abriga três altares. Em um deles há uma estátua representando Minerva, símbolo da Sabedoria. No segundo, repousa uma Urna com Perfumes. O terceiro sustenta um vaso com álcool em chamas, que fornece luz à sala. Do teto, suspensa, há uma águia de duas cabeças, nas cores branca e preta, com asas abertas — símbolo associado a Frederico II da Prússia, idealizador deste Grau.

O Areópago tem suas paredes decoradas em azul salpicado de estrelas. Ao centro, uma mesa coberta com um tecido azul serve como assento para os Grandes Vigilantes e o Orador. O Grande Primeiro Vigilante empunha uma mão dourada que representa a Justiça, enquanto o Orador segura um alfanje. Nas laterais da Câmara sentam-se os Cavaleiros. A iluminação é fornecida por três velas.

O Senado apresenta decoração vermelha e contém o Dossel e o Trono. Sobre o Dossel há outra águia bicéfala, desta vez segurando um punhal entre as garras. Há também uma barraca nas cores preto e branco, adornada com cruzes vermelhas. Nesta Câmara também se encontra representada a Escada Mística.

Com o passar do tempo e as adaptações feitas ao Rito para facilitar sua prática, as quatro Câmaras foram unificadas em um único espaço ritual — a Câmara Vermelha —, que incorpora os símbolos e elementos de todas as demais.

O local onde se desenrola o drama do grau é chamado, em muitas tradições, de Capela da Vingança ou Capela do Santo Sepulcro, remetendo à memória templária e à ideia de sacralidade do combate moral.

As paredes podem ser adornadas com inscrições simbólicas como “INRI” (cuja leitura esotérica será tratada adiante), “V.I.T.R.I.O.L.” ou frases como “Justiça e Verdade”, “Luz e Reparação”, “Nem fanático, nem tirano, mas servidor da Liberdade”. Em algumas versões do ritual, encontra-se a inscrição “Macte virtute esto” – “Sê engrandecido pela tua virtude”.

Na extremidade oriental da Câmara se ergue o Trono do Comendador ou Sábio Kadosh, geralmente sobre um estrado elevado com três degraus. Atrás dele pode estar uma Cruz Templária, uma Águia Bicéfala ou o símbolo da espada flamejante. À frente, um altar com a Bíblia aberta no Livro de Salmos ou no Evangelho segundo João. A presença das três luzes – Sabedoria, Força e Beleza – permanece, mas ganha uma interpretação mais espiritualizada, sendo associadas agora aos princípios universais que sustentam o cosmos moral e iniciático.

Dois elementos dominam visualmente a Câmara: a Cruz do Kadosh e a Espada Flamejante. A cruz, muitas vezes em forma de Templária, carrega no centro a inscrição INRI, tradicionalmente lida como Iesus Nazarenus Rex Iudaeorum, mas que, no contexto esotérico do grau, adquire significações profundas como Igne Natura Renovatur Integra (Pelo Fogo, a Natureza se Renova Integralmente) — símbolo da transmutação espiritual.

A espada, por sua vez, representa a Vontade purificada, o discernimento afiado que separa o verdadeiro do ilusório. No momento da investidura, é com essa espada que o Iniciado recebe o toque final, consagrando-o como guerreiro da Justiça.

Há ainda, por vezes, uma segunda espada: a do passado, símbolo da vingança, que o Kadosh deve rejeitar. E a espada do presente e do futuro, símbolo da Justiça pura, que ele deve aceitar. Tal gesto simboliza o abandono do desejo pessoal de retribuição e a aceitação da missão maior de restaurar a Verdade, acima das paixões humanas.

Drama Ritual

A Câmara pode conter sete assentos dispostos em semicírculo, representando os sete Kadoshim (plural de Kadosh), os Irmãos que conduzem o ritual. Em alguns sistemas, são três os Kadoshim principais: o Presidente, o Primeiro Vigilante e o Segundo Vigilante, mas todos eles representam aspectos do julgamento e da elevação espiritual.

Durante a cerimônia, o recipiendário é submetido a diversas estações que simbolizam provas morais. A mais impactante delas é a dramatização do momento em que ele deve, ritualmente, julgar os algozes da Verdade.

A tradição traz uma dramatização do julgamento dos algozes templários – como Filipe, o Belo, e Clemente V – onde o Iniciado assume simbolicamente o papel do restaurador da Justiça. O objetivo, de modo ritual, é trazer uma reparação simbólica da injustiça histórica.

No centro do drama está a figura do mártir inocente — representado por Jacques de Molay, último Grão-Mestre dos Templários, queimado vivo em 1314 após um julgamento fraudulento promovido por Filipe IV de França com o apoio do Papa Clemente V. Os personagens históricos tornam-se aqui arquétipos das forças que combatem a Verdade: o fanatismo religioso, a ambição política, a corrupção moral.

No ritual, esses arquétipos são encenados por três personagens simbólicos:

  • Filipe o Belo representa o despotismo secular, a cobiça, o abuso do poder temporal;
  • Clemente V, o dogmatismo religioso, o silêncio cúmplice das instituições espirituais;
  • Um terceiro personagem, em algumas versões, simboliza a ignorância popular, que aceita o erro e a injustiça passivamente.

O Iniciado, em seu trajeto, testemunha esse julgamento injusto e é desafiado a agir. Mas não age com ira: age com consciência. Ele não é um vingador cego, deve ser um restaurador da ordem superior, um servo da Justiça verdadeira.

A Cerimônia tem como intenção instruir que o Iniciado deve extirpar, de si mesmo, as sementes do erro. Assim, o julgamento é sobretudo, interior: ele julga os traços de Filipe, Clemente e dos falsos juízes em sua própria alma. É importante ressaltar que, embora se fale em “vingança” no ritual, o verdadeiro sentido da vingança neste grau não é contra reis ou papas exteriores, mas sim contra o próprio ego inferior do Iniciado. Trata-se de uma batalha interior, na qual se busca eliminar o “eu profano”, integrando-o ao Eu Superior. Esse processo de morte simbólica e renascimento é também um ato de transformação do mundo — simbolizado pelas figuras do Papa e do Rei — numa obra de purificação espiritual e social. Assim, o Karma pessoal do Iniciado é transmutado em Dharma, e a sua união com o Eu Universal configura o cumprimento do Paradharma, o Grande Dever Universal. A vingança que o Kadosh executa é a reparação do desequilíbrio. Ele não busca punir os culpados com rancor, mas restaurar o sentido da Justiça, dentro e fora de si.

Portanto, o espírito de vingança do Grau 30 não deve ser entendido como um ato de retaliação contra os algozes medievais dos Templários, tampouco como uma revolta contra instituições religiosas ou políticas. Tal interpretação revela ignorância quanto ao verdadeiro significado da Maçonaria. Como ensinam José Castellani e Cláudio R. Buono Ferreira: “Embora o Grau esteja associado à vingança, esta não é, na realidade, física, mas, sim, a da Verdade contra o erro, a do Amor contra o ódio, a do Espírito contra a matéria, seguindo a rota da Alquimia Mística, presente em Graus anteriores. O crânio atravessado pela espada é a representação gráfica dessa vingança”.

Nas palavras de Fernando Pessoa, em seu Bilhete de Identidade escrito em Lisboa no dia 30 de março de 1935:
“Ter sempre na memória o mártir Jacques de Molay, Grão-Mestre dos Templários, e combater, sempre e em toda a parte, os seus três assassinos – a Ignorância, o Fanatismo e a Tirania.”

Esse é o espírito profundo que se revela no tríplice Tau.

Uma das provas simbólicas consiste em escolher entre duas espadas:

  • Uma representa a ira pessoal, a revanche mesquinha;
  • A outra, a espada da Verdade, afiada, justa, mas sem paixão.

O Kadosh deve escolher esta última — e, ao fazê-lo, assume a responsabilidade de julgar com retidão e agir com consciência. É a vitória da ética sobre o instinto, da sabedoria sobre o desejo.

Neste sentido, o Kadosh deve:

  • Rejeitar a tirania, afirmando a supremacia da consciência moral sobre a autoridade despótica;
  • Renunciar ao fanatismo, abraçando a liberdade espiritual e a tolerância;
  • Superar o desejo de vingança, reconhecendo que a verdadeira Justiça é impessoal e universal.

O Renascimento do Kadosh

Um dos momentos culminantes da cerimônia é o simbolismo da morte iniciática. O candidato é conduzido a uma espécie de sepulcro ou cripta, onde permanece em silêncio — simbolicamente morto para o mundo profano. É nesse silêncio profundo que o Kadosh nasce.

Dali, ele ressurge com uma nova identidade espiritual. Recebe a cruz do grau, a espada consagrada e, em algumas tradições, a insígnia da águia bicéfala — símbolo do iniciado que contempla passado e futuro com igual clareza. Sua palavra, seu sinal e sua missão são agora selados por um juramento solene, que o vincula à causa da Justiça: eterna, impessoal, divina.

Essa cena final representa o clímax da transformação simbólica — a ascensão do Kadosh como um novo homem. Aquele que presenciou a queda, chorou pelos justos e jurou proteger a Luz com o próprio sangue.

O ideal do Kadosh está profundamente ligado à figura do Iniciado Perfeito. Ao contrário dos graus simbólicos e mesmo dos graus filosóficos que o antecedem, o Kadosh é um consagrado — alguém que se coloca inteiramente a serviço de uma Causa superior. Ele não é apenas um buscador da Verdade: está disposto a sacrificá-la por ela, se for necessário.

Por isso, o grau exige maturidade espiritual, vigilância constante e uma postura ética intransigente. O Cavaleiro deve combater todas as formas de corrupção — inclusive aquelas que residem em sua própria consciência. Nesse ponto, o Kadosh se aproxima do cavaleiro rosacruciano e do guerreiro templário, com os quais compartilha não apenas a estética ritualística, mas também a missão iniciática.

Seu ideal não é a vitória pessoal, mas a vitória da Luz. Trata-se de alguém que “passou pela cruz e pelo sepulcro” e renasceu com a missão de edificar o Templo do Espírito na Terra — metáfora de um mundo regenerado, pacificado e iluminado.

O Cavaleiro da Águia Branca e Negra representa, de forma velada, o Kadoshim — o Construtor Encapuzado de Kaleb — identificado como o verdadeiro Adepto Real. O lema do grau, Ordo Ab Chao, expressa o sentido oculto da passagem das trevas para a luz, do Pralaya (estado de repouso cósmico) para o Manvantara (ciclo de atividade criadora).

Contudo, muitos ainda permanecem presos à fase ‘lunar’ da iniciação — mergulhados na escuridão e na apatia espiritual — e ignoram a verdadeira Luz da Maçonaria. Para esses, o lema se inverte: Chao Ab Ordo — “o caos gerado pela ordem”. Ainda assim, a mensagem essencial permanece viva:

“TUDO PELA SINARQUIA, NADA PELA ANARQUIA.”

Símbolos e Insígnias

A simbologia do Grau 30 é, sem dúvida, uma das mais densas e evocativas de todo o Rito Escocês Antigo e Aceito. Seus elementos ritualísticos, suas cores, suas insígnias e ornamentos não são meros adereços cerimoniais, são verdadeiros veículos de ensinamento iniciático. A cada símbolo corresponde uma virtude, a cada objeto, uma etapa da trajetória moral e espiritual do Kadosh.

A Escada Dupla dos Kadosch

Este símbolo da escada é, ao que tudo indica, de origem caldaica e teria chegado ao Ocidente juntamente com os Mistérios de Mitra. Na tradição havia sete degraus, cada um feito de um metal diferente, em conformidade com a correspondência entre metais e planetas. Por outro lado, a simbologia bíblica também nos apresenta a escada de Jacob, que conecta a Terra aos Céus e possui um significado análogo.

De fato, a escada dupla presente no simbolismo do Kadosh — representando os caminhos da Involução e da Evolução (conhecidos na tradição hindu como Pravritti e Nivritti Margas) — expressa o processo gradual de elevação do ser humano até alcançar a união espiritual com os Céus. Para isso, é necessário primeiro descer ao mundo material, passando pelas experiências da existência terrena. Essa ascensão se dá por meio de sete níveis ou esferas de consciência, os quais são figurados simbolicamente por dois conjuntos distintos de degraus: à esquerda, pelas sete Artes Liberais da tradição medieval; à direita, pelas Virtudes Teologais, que só podem ser atingidas através da prática e compreensão das ciências ou artes mencionadas.

Os degraus do lado esquerdo representam, em ordem ascendente: Gramática, Retórica, Lógica, Aritmética, Geometria, Música e Astronomia. Já os do lado direito, descritos em hebraico, representam: Tsedakah (Justiça), Schor Laban (Boi Branco — símbolo do Espírito em busca da Verdade e da Pureza), Mathok (Doçura), Emounah (Fé), Amal Saghi (a Grande Obra), Sabbal (Penitência ou Paciência), e finalmente Gemoul-Binah-Themounah (Recompensa, Compreensão e Inteligência). A escada do lado esquerdo é chamada Oheb Kerobo, ou seja, “Aquele que ama ao próximo”, enquanto a do lado direito é denominada Oheb Eloha, significando “Aquele que ama a Deus”.

René Guénon, em sua obra Os Símbolos da Ciência Sagrada (Editora Pensamento, São Paulo, 1993, pp. 294-296), comenta esse simbolismo da escada. As observações que seguem entre parênteses são de minha autoria:

“Esse significado se torna claro no símbolo bíblico da escada de Jacó, por onde os Anjos subiam e desciam (representando as Mônadas Potentes e Patentes). Jacó, após ter essa visão, colocou uma pedra naquele lugar — chamada Lusa — e a erigiu como um pilar. Essa pedra se torna, assim, uma figura do Eixo do Mundo, assumindo simbolicamente o papel da escada. Os Anjos simbolizam os estados mais elevados do Ser, de modo que os degraus da escada correspondem a essas etapas superiores. A escada repousa com seus pés sobre a terra, o que representa nosso mundo, a base a partir da qual a ascensão espiritual deve ocorrer.

Ainda que se considere que a escada se estenda para as profundezas, em sua parte subterrânea (o que deve ser compreendido no sentido simbólico, não literal — algo fundamental para a compreensão do Kadosh), essa porção inferior permanece invisível ou oculta. Isso se assemelha aos seres que alcançam determinado estágio em uma espécie de ‘caverna’ simbólica, situada num plano intermediário, no centro de uma Árvore que se projeta para trás ou para dentro.

Em outras palavras, aqueles que já passaram pelos primeiros degraus da escada não mais necessitam considerá-los em sua jornada atual, pois, a partir de certo ponto na senda iniciática, somente os degraus superiores são relevantes para o desenvolvimento espiritual do Ser.”

É por essa razão que, especialmente quando a escada é usada como símbolo em certos rituais iniciáticos, os seus degraus são interpretados como representações dos diversos céus ou, mais precisamente, dos estados superiores do Ser. Nos antigos Mistérios de Mitra, por exemplo, a escada possuía sete degraus, cada um vinculado a um dos sete planetas clássicos, sendo confeccionados com os metais correspondentes a esses corpos celestes. A ascensão por esses degraus simbolizava os diferentes estágios da Iniciação.

A presença da escada com sete degraus também pode ser observada em algumas organizações iniciáticas medievais, de onde certamente foi transmitida — de forma direta ou indireta — para os Altos Graus da Maçonaria Escocesa, como já assinalamos anteriormente, ao tratar das obras de Dante. Nessa tradição, os degraus estão relacionados às “ciências”, o que, no fundo, representa a mesma ideia, pois, conforme afirma o próprio Dante em seu Convito (livro II, capítulo XIV), as ciências e os céus são equivalentes. Mas é importante destacar que essas ciências, para estarem em harmonia com os estados superiores do Ser e com os graus da Iniciação, só podem ser as ciências tradicionais, compreendidas em seu sentido mais profundo, esotérico e simbólico. Mesmo aquelas disciplinas que hoje são vistas apenas como técnicas ou artes profanas, devido à degradação do conhecimento moderno, outrora expressavam verdades espirituais — hoje reduzidas a cascas vazias, desprovidas de vida e essência.

Em certos sistemas iniciáticos, há ainda o símbolo da escada dupla, o que introduz a ideia de que, após a subida, deve haver também uma descida. Sobe-se, de um lado, pelos degraus das “ciências”, que representam graus de conhecimento e realização espiritual. E desce-se, de outro, pelos degraus das “virtudes”, que são os frutos desse saber aplicado aos diversos planos do ser. No plano humano, isso significa que o Iniciado alcança o Conhecimento Divino e, possuído por ele, retorna ao mundo comum para transmiti-lo aos seus Irmãos, tornando-se um verdadeiro Iniciador. No plano espiritual, é como se a Mônada descesse inconsciente à Terra e, após seu processo de iluminação, ascendesse conscientemente ao Céu. Assim, ambas as leituras — subida e descida ou vice-versa — são igualmente válidas no contexto ritualístico, embora a dimensão humana da descida iluminada seja a mais representativa.

A Escada do Grau 30 do REAA

Durante a cerimônia, o Candidato se depara com os degraus e ele deve subí-lo para alcançar a perfeição da sabedoria e ao subirm durante essa ascensão, os nomes secretos e os significados alegóricos de cada lado e degrau da escada lhe são revelados.

O lado direito da escada representa o “Amor a Deus”, enquanto o lado esquerdo simboliza o “Amor ao Próximo”.

Os sete degraus ascendentes representam as seguintes virtudes espirituais:

  1. Retidão ou Caridade – simbolizando o uso consciente de nossas faculdades mentais e físicas para aliviar o sofrimento alheio.
  2. Pureza – agir com os outros da forma como desejaríamos que agissem conosco, e abster-se de causar-lhes aquilo que não desejaríamos para nós.
  3. Mansidão – suportar as adversidades com resignação e serenidade.
  4. Boa-fé – cultivar a verdade e rejeitar toda forma de falsidade.
  5. Laboriosidade – reconhecer que somente o trabalho constante conduz à perfeição.
  6. Compaixão – carregar o fardo das imperfeições dos nossos irmãos com compreensão e amor.
  7. Sabedoria e Prudência – compreender que a prudência conduz ao entendimento, e que a fidelidade, aliada à discrição, é uma das virtudes fundamentais do verdadeiro filósofo.

Ao atingir o topo da escada, o Candidato é lembrado pelas palavras Ne Plus Ultra de que chegou ao cume de sua jornada moral. No entanto, desce em seguida por mais sete degraus, que representam as realizações no plano material, a saber:

  1. Conhecimento das Artes da Comunicação
  2. Conhecimento da Matemática
  3. Ciências Naturais
  4. Ciências Aplicadas
  5. Música, Poesia e Artes Visuais
  6. Estudo da Humanidade
  7. Estudo do Universo

O SCG então pergunta ao Candidato se ele deseja continuar. Ao manifestar sua vontade de prosseguir, o Candidato assume uma nova obrigação solene, evocando as palavras dos degraus que subiu como testemunho de sua adesão aos princípios da Ordem. Ele é, então, devidamente investido e recebe os segredos do Grau.

Em seguida, o seguinte discurso é proferido:

“Ilustre Irmão,
Para que compreendas plenamente a origem e o propósito de nossa Ordem, preciso reconduzir tua atenção a um dos períodos mais sombrios da história da humanidade: os tempos que seguiram à queda do Império Romano do Ocidente.
Durante séculos, os princípios de justiça que sustentam nossa civilização foram esquecidos. Nossos antepassados viveram em constante insegurança em meio às suas tarefas diárias. O despotismo reinava absoluto nos governos civis e, mesmo com o surgimento do sistema feudal, a maioria dos homens era tratada como meros objetos, privados de dignidade.
A frágil, porém crescente luz da Igreja Cristã – com a qual nossos predecessores cavaleirescos estiveram honrosamente ligados – foi ameaçada pela ignorância supersticiosa e obscurecida pela intolerância religiosa. Foi apenas com o renascimento do saber antigo, e tudo aquilo que ele representa, que a verdadeira filosofia pôde novamente empunhar suas armas contra os inimigos da fé e da civilização.
Hoje, essa mesma batalha continua, e somos todos convocados a nela participar. Nenhum homem pode dominar integralmente o vasto campo do conhecimento revelado na misteriosa escada da Iniciação. Mas nossa Ordem é composta por muitos Irmãos sábios e experientes, e é com alegria que o recebemos entre nós como mais um elo dessa corrente viva de sabedoria.
Estamos certos de que a alta dignidade que hoje lhe é conferida não será para ti um ponto de chegada, mas o início de uma nova jornada. Que este grau seja, não o ápice de tua ambição, mas o marco de novos esforços na propagação dos princípios e práticas que já demonstraste abrigar com sinceridade em teu coração.”

A Águia Bicéfala: União dos Opostos, Poder sobre Si

O emblema central do grau é a Águia Bicéfala – negra e branca, com as asas abertas, voltada simultaneamente para o Oriente e o Ocidente. Essa águia representa a síntese dialética entre as forças contrárias que o Iniciado deve aprender a dominar:

  • Negro e branco, como a dualidade do mundo e a necessidade de integração da luz e das sombras interiores;
  • Dois olhares, um para o passado (a memória, a tradição, os erros a corrigir), outro para o futuro (a missão, o ideal, a realização);
  • Asas abertas, como expressão de liberdade, soberania e elevação espiritual.

A Águia Bicéfala, coroada em muitas versões do símbolo, carrega o lema “Spes mea in Deo est” – Minha esperança está em Deus –, reiterando que todo o poder do Kadosh deve estar submetido à vontade divina e à Lei moral superior.

A Cruz Templária: Sangue, Sacrifício e Virtude

A Cruz de Kadosh, ou Cruz Templária, é geralmente representada como uma cruz patente de cor vermelha, usada sobre o peito do Iniciado, presa à túnica branca ou ao manto negro. Ela simboliza:

  • O sacrifício do justo, em referência ao martírio de Jacques de Molay;
  • A santificação da ação, ou seja, o compromisso com a causa superior da Justiça;
  • A proteção espiritual, pois a cruz é, desde os tempos antigos, um sinal de consagração e defesa divina.

A cor vermelha remete ao sangue derramado em nome da Verdade — não o sangue do ódio, mas o sangue da fidelidade à Consciência. O Kadosh, ao portar essa cruz, declara-se servidor da Luz e consagrado à missão templária renovada.

A Espada Flamejante: Vontade Iluminada

A espada que o Kadosh empunha é, antes de tudo, um símbolo de discernimento espiritual. Em alguns rituais, essa espada é dita “flamejante”, evocando a lâmina guardiã do Éden (Gênesis 3:24), que impede o retorno do homem não-purificado à Árvore da Vida.

A espada representa:

  • O verbo afiado, que corta ilusões e falsidades;
  • A vontade consagrada, que combate as trevas sem se manchar com elas;
  • A autoridade moral, e não a violência ou o domínio físico.

No rito, o candidato pode ter de escolher entre duas espadas, como já mencionado: uma que simboliza a vingança pessoal, e outra que expressa a Justiça impessoal. Ao escolher a segunda, o Iniciado sela seu compromisso com a Lei maior.

Pelicano alimentando de sua própria carne

O INRI e o Fogo da Transformação

A inscrição INRI, presente na cruz do grau, ganha nova interpretação esotérica. Além do conhecido Iesus Nazarenus Rex Iudaeorum, os Iniciados a leem como:

  • Igne Natura Renovatur Integra – “Pelo Fogo, a Natureza se Renova Integralmente”;
  • Ou ainda como In Nomine Regis Iustitiae – “Em Nome do Rei da Justiça”.

Esse fogo não é destrutivo, mas alquímico. É o fogo do Espírito, da Consciência desperta, que purifica e eleva. O Kadosh, ao se submeter a esse fogo, não se queima: ele se transmuta.

Influência Rosa-Cruz, Gnóstica e Hermética no Grau 30

É notável por sua profundidade esotérica e pelo modo como se apresenta como uma verdadeira síntese de múltiplas correntes espirituais do Ocidente. Longe de ser apenas uma continuidade dos graus templários, ele incorpora e transcende influências Rosa-Cruzes, gnósticas, alquímicas, herméticas e cristãs esotéricas.

A Influência Rosa-Cruz:

A Rosa-Cruz, movimento esotérico surgido no início do século XVII, propunha uma reforma espiritual e científica do mundo, fundamentada na sabedoria hermética, na alquimia e no cristianismo interior. Embora anterior em origem simbólica à codificação do Grau 30 no século XVIII, a Rosa-Cruz deixa suas marcas de forma clara na estrutura filosófica do Kadosh.

A própria ideia de regeneração do homem e da sociedade por meio de uma elite iniciática discreta e moralmente elevada está presente no Kadosh, assim como nas Fama Fraternitatis e Confessio Fraternitatis, os manifestos fundacionais do movimento rosa-cruz. O Kadosh é convidado a combater a corrupção, as tiranias e os falsos dogmas, com sabedoria, justiça e exemplo. Esse ideal rosa-cruz de transformar o mundo a partir da transformação de si é central à missão do Kadosh. Além disso, certos símbolos como a espada flamejante (cruz flamejante), a rosa, o pelicano e até mesmo o Templo interior, evocam diretamente a iconografia Rosa-Cruz. O próprio nome “Kadosh”, que significa “santo” ou “consagrado”, aproxima-se do ideal rosa-cruz de santidade sem fanatismo, consagração sem dogmatismo.

A Influência Gnóstica:

A Gnose, enquanto doutrina esotérica que proclama a salvação por meio do conhecimento (gnosis) de verdades ocultas sobre o homem, o cosmos e o divino, é profundamente ecoada no Grau 30. A travessia do iniciado rumo à “luz” é, antes de tudo, uma jornada gnóstica: o adepto não será salvo por rituais externos ou por adesão a dogmas, mas por descobrir a centelha divina dentro de si e por se libertar das ilusões do mundo material, representado pelos falsos poderes e pelas “coroas” que devem ser derrubadas.

O Kadosh é aquele que reconhece a decadência do mundo profano, marcado pela hipocrisia, pelo fanatismo e pela ignorância. Como os gnósticos antigos, ele compreende que há um “arconte” usurpador – seja ele um rei injusto, um tirano espiritual ou a ignorância coletiva – que precisa ser derrubado não apenas externamente, mas dentro de si mesmo. A “degolação do tirano” que o grau dramatiza é, nessa leitura, a morte simbólica do demiurgo interior que escraviza o homem à vaidade, ao orgulho, ao ódio e à separação.

Em consonância com a tradição gnóstica, o Grau 30 apresenta uma clara oposição entre a aparência e a essência, entre os poderes do mundo e a verdadeira Luz, entre a letra morta e o espírito vivo.

A Influência Hermética e Alquímica:

A alquimia espiritual, enquanto tradição simbólica da transformação interior do homem em ouro puro – ou seja, da alma em sua forma redimida –, é também um eixo fundamental na estrutura esotérica do Grau 30.

O caminho do Kadosh pode ser lido como um percurso alquímico: calcinação do orgulho, dissolução dos falsos ideais, separação do verdadeiro do ilusório, conjugação dos opostos (como na águia bicolor – branca e negra), fermentação de novos valores, elevação espiritual (sublimação) e finalmente a cristalização da Pedra Filosofal interior, que é o próprio ser regenerado. A águia branca e negra, um dos símbolos centrais do grau, representa essa união dos opostos, o equilíbrio entre luz e trevas, espírito e matéria, misericórdia e severidade – uma representação viva do Solve et Coagula hermético.

Símbolos Complementares

Outros elementos simbólicos da Câmara podem incluir:

  • A Caveira e os Ossos Cruzados, lembrando a transitoriedade da vida e o dever do Kadosh de superar o medo da morte;
  • O Véu Negro, que se abre ao final do ritual para revelar a Luz da Verdade, simbolizando o desvelamento da ilusão;
  • O Trono Vazio, representando o lugar da Consciência Suprema, ao qual ninguém pode se sentar senão o que se torna puro pela Verdade.

Cada detalhe, cada objeto, cada posição na Câmara possui significado. Nada é acidental. O espaço ritual é uma arquitetura da alma, e o seu desenho visa conduzir o Iniciado a uma mudança interior real e duradoura.

Os Paramentos do Grau 30

A vestimenta tradicional do Cavaleiro Kadosh é composta por uma faixa e um avental (sendo que este último está em desuso em muitas Lojas deste Grau atualmente). Na faixa estão bordadas as iniciais “C.K.S.”, que representam “Cavaleiro KadoSh”. Também são usadas as iniciais “C.K.H.”, que significam “Conselho Kadosh de Heredom”, numa referência ao Rito de Heredom, que é a origem dos Altos Graus. O avental é negro, com acabamento branco, e contém uma Cruz Teutônica vermelha com o número 30 no centro.

De acordo com antigas orientações, o Presidente da Loja, denominado “Grande Venerável Sábio Mestre”, vestia uma túnica preta, aberta nas laterais, no estilo dalmática, com bordados brancos. Essa peça foi abolida pelos rituais modernos, que recomendam o uso de smoking ou terno preto. Sob a ótica tradicional, essa mudança prejudica a autenticidade e a tradição coreográfica do Grau. Além disso, o Presidente carregava na cintura o símbolo principal do Kadosh: um punhal com cabo feito de marfim e ébano. Esse punhal, mais do que um instrumento de vingança, simboliza o eixo do mundo maçônico e o centro místico do Kadosh, o coração, que a lâmina deve “ferir” simbolicamente — isto é, a palavra precisa do iniciado que penetra e ilumina a alma do outro com amor e sabedoria.

Autores tradicionalistas como Nicolas Flamel associam essa adaga, que é uma versão reduzida da espada, à própria Pedra Filosofal, não apenas ao caminho para alcançá-la. Assim, a simbologia da “Caliburna” ou “Excalibur” cravada na rocha pura é equivalente à posse da Pedra Filosofal. Esse simbolismo está presente em textos sagrados que comparam a espada ao “Logos”, o Verbo Divino, que é mais penetrante que uma espada de dois gumes (que tanto recompensa quanto pune) — conforme Hebreus 4:12. No seu livro Livre des Figures Hieroglyphiques (século XIV), Flamel afirma que essa “espada nua e esplendorosa” é a Pedra Branca, frequentemente descrita pelos filósofos sob essa forma. Para o Kadosh, essa espada é tanto um instrumento de purificação quanto a expressão da perfeição alcançada, a Pedra Branca que é o objetivo máximo da filosofia hermética.

Quanto à vestimenta, o Presidente da Loja Kadosh usava um chapéu preto amassado, com a aba frontal levantada, onde se fixava um Sol de prata com raios dourados, posicionado entre as letras “N” e “A” (Nekam Adonai), tendo no centro um olho. O crânio iluminado pela sabedoria do guardião — que corresponde aos chakras coronário (chapéu) e frontal (sol). A adaga está associada ao despertar dos centros vitais laríngeo (palavras do Grau) e cardíaco (punhal).

Os oficiais do Conselho usam colares pretos chamalotados, bordados de prata, com uma águia bicéfala em púrpura no vértice — símbolo da união real do homem (Raja-Yoga, união da alma com o espírito) e de Deus Pai e Mãe cósmicos, representando o equilíbrio perfeito ou o andrógino primordial. A águia segura um punhal nas garras e está ladeada por duas Cruzes Teutônicas púrpura, referência à Ordem dos Teutões (que originou o Sacro Império Romano e tinha missão inicial de estabelecer a Sinarquia na Europa). A joia pendurada no colar é uma águia bicéfala prateada com asas abertas, segurando um punhal, destacada sobre uma Cruz Teutônica vermelha.

Os Cavaleiros usam uma faixa preta com franja prateada em tiracolo (da esquerda para a direita), cores que refletem seu título legítimo no Grau: “Filhos da Viúva”. Na parte da frente estão bordadas ou pintadas em vermelho duas Cruzes Teutônicas, uma águia bicéfala coroada e as iniciais “C.K.H.”, já explicadas. Conforme antigas instruções, também usavam uma faixa vermelha na cintura com um punhal pendurado (como os antigos Assacis libaneses, relacionados aos Templários) e o chapéu preto com o sol prateado descrito. Porém, essas orientações não constam mais nos rituais modernos, o que é lamentável, pois uma vestimenta profana acabou substituindo a original, que era claramente iniciática — refletindo a perda do sentido essencial do Templo como espaço separado do profano, onde ocorre a verdadeira realização pessoal e coletiva.

A joia pendurada na faixa em tiracolo é um punhal com lâmina de aço e cabo ovalado, metade marfim e metade ébano (materiais típicos do Líbano, lembrando o “Velho da Montanha”, Sheik Al-Djabal, líder dos Cavaleiros Assacis, dos quais os Drusos são herdeiros espirituais). A administração do Conselho Kadosh usa ainda uma faixa abdominal orlada de prata, que substitui o avental.

Palavras, Toques e Sinais

Como todo grau do REAA, o Grau 30 possui palavras sagradas, toques e sinais próprios, que serão apenas mencionados aqui em termos simbólicos, sem revelar seu conteúdo reservado. Em linhas gerais:

  • As palavras sagradas evocam o conceito de santidade (Kadosh) e fazem alusão a figuras bíblicas ligadas à justiça, à resistência e à fidelidade ao Ideal.
  • Os sinais remetem à cruz, ao juramento, ao julgamento e à execução moral da Justiça.
  • Os toques reforçam a noção de reconhecimento entre Irmãos consagrados a um mesmo propósito.

Mais importante do que a forma desses gestos é sua intenção. Ao realizar o sinal do Kadosh, o Iniciado reafirma seu dever de agir com equidade e sua disposição de lutar pela Luz, mesmo quando tudo ao redor pareça mergulhado em trevas.

O ideal do Kadosh está intimamente ligado ao conceito de Iniciado Perfeito. Diferente dos graus simbólicos e mesmo dos graus filosóficos anteriores, o Kadosh é um “consagrado”, ou seja, alguém que se coloca a serviço de uma Causa superior. Ele não é apenas um buscador da verdade, mas alguém que está disposto a sacrificá-la por ela, se necessário.

É por isso que o grau exige maturidade espiritual, vigilância constante e uma postura ética intransigente. O Cavaleiro deve lutar contra todas as formas de corrupção — inclusive aquelas que habitam sua própria consciência. Nesse ponto, o Kadosh se assemelha ao cavaleiro rosacruciano e ao guerreiro templário, figuras simbólicas com as quais compartilha não só a estética ritualística, mas também a missão iniciática.

Seu ideal não é a vitória pessoal, mas a vitória da Luz. É alguém que “passou pela cruz e pelo sepulcro” e ressurgiu com a missão de construir o Templo do Espírito na Terra — uma metáfora do mundo regenerado, pacificado e iluminado.

Conclusão

Em última instância, o Grau 30 é um grau de combate espiritual. Sua ética é a da resistência contra o Mal — não como um conceito abstrato, mas como realidade concreta manifestada na injustiça, na opressão, na falsidade, no fanatismo e na tirania. O Cavaleiro Kadosh combate com as armas do discernimento, da firmeza moral, da espiritualidade esclarecida. Sua luta não é apenas simbólica, mas tem ressonância real nas esferas da política, da cultura e da sociedade. Por isso, o Cavaleiro Kadosh é chamado a não se omitir. Seu silêncio diante da injustiça não é neutralidade, é cumplicidade, portanto o grau ensina que a luz deve se manifestar no mundo, mesmo que isso custe a segurança ou o conforto do iniciado.

A missão do Cavaleiro Kadosh exige coragem. Ele é chamado a sustentar suas convicções mesmo diante do risco pessoal, da incompreensão ou da marginalização. Tal como os mártires da verdade ao longo da história — Sócrates, Giordano Bruno, entre outros —, o Kadosh sabe que a verdade tem um preço. Ele não busca glória, mas fidelidade a um ideal mais elevado. E está disposto a pagar o custo desse ideal.

Esse é um grau que convida o Iniciado ao sacrifício, no abandono das ilusões, da busca por recompensas externas e da acomodação. Ser Cavaleiro Kadosh é comprometer-se a viver segundo uma ética que frequentemente colide com os valores dominantes da sociedade — uma ética baseada em fraternidade real, retidão moral e busca pela sabedoria.

“Jurai ser leal à vossa consciência, a defender a verdade e a justiça em vossa vida cotidiana, com fé em Deus, amor à nação e autoconfiança.”

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Na próxima publicação desta série, exploraremos juntos os segredos e ensinamentos dos Graus administrativos concedidos pelo Consistório (31º ao 32º Grau), com 31º Grau, o Grande Inspetor Inquisidor Comendador.

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