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A Imortalidade da Alma e a Acácia: Entre o Luto, o Mito e o Simbolismo Maçônico

Depois de quinze dias sem trazer conteúdo para o blog, retorno movido por um sentimento profundo de reflexão e saudade. No último dia 12/11/2025, despedi-me de minha bisavó, cuja partida deixou um vazio tão silencioso quanto inevitável. Nesse momento de luto, encontrei no simbolismo e na espiritualidade algumas das poucas luzes capazes de suavizar a dor — e foi justamente essa busca que me levou a escrever sobre um tema tão caro à Maçonaria: a imortalidade da alma e a acácia.

A morte, embora certa, nunca é fácil de ser acolhida. Porém, quando a olhamos através dos ensinamentos simbólicos, percebemos que ela não representa um fim absoluto, mas um portal, um retorno, uma continuidade. A acácia, árvore resistente e incorruptível, surge como um símbolo poderoso dessa permanência — um lembrete silencioso de que aquilo que é puro e verdadeiramente essencial jamais perece.

É nesse espírito de reflexão, consolo e esperança que inicio esta postagem.

Antes de falarmos sobre a presença da acácia na Maçonaria, é fundamental compreender que o seu simbolismo é muito mais antigo — milênios mais antigo, na verdade. Diversas civilizações já lhe atribuíam significados místicos relacionados à vida, à morte, ao renascimento e à proteção divina.

Segundo a mitologia egípcia, as primeiras divindades teriam surgido sob uma acácia cósmica, provavelmente a Acacia tortilis, também conhecida como “umbrella thorn”. Essa árvore estava associada especialmente à deusa Nut, que, arqueando o próprio corpo sobre o cosmos, protegia seus filhos do caos primordial.

Não é coincidência que o Egito tenha visto na acácia um símbolo de força, proteção e renovação espiritual. No contexto religioso egípcio, a acácia era uma verdadeira “árvore da vida e da morte”, conectando planos distintos da existência.

A relação entre acácia e imortalidade, tão familiar à Maçonaria, tem um eco quase direto na lenda de Osíris.

Seth, movido pelo ódio ao irmão, construiu um caixão sob medida e o utilizou para assassinar Osíris. Após o crime, o corpo foi lançado ao rio Nilo, e mais tarde o caixão encalhou. Sobre ele brotou uma árvore — ora identificada como tamarisco, ora como acácia. Foi essa árvore que revelou à deusa Ísis o local onde seu amado se encontrava.

A árvore aqui cumpre uma função crucial: marcar o local do corpo do iniciado divino e, ao mesmo tempo, simbolizar a ligação entre morte e ressurreição.

O corpo sob uma acácia…
A busca por um irmão caído…
A revelação espiritual…
A promessa de imortalidade…

Diz algo aos maçons? É claro que sim — a lenda de Osíris é uma das raízes simbólicas mais evidentes da lenda de Hiram Abiff, especialmente no que diz respeito ao papel da acácia como marcação simbólica do túmulo e como garantia de que a morte não é o fim.

Os antigos hebreus também herdaram o simbolismo egípcio da acácia — e isso se reflete de forma explícita na Bíblia.

A shittah ou madeira de acácia é a matéria-prima indicada por Deus a Moisés para construir:

  • A Arca da Aliança;
  • O altar;
  • Elementos do Tabernáculo;
  • Utensílios sagrados utilizados nas cerimônias.

O capítulo 25 do livro do Êxodo é inequívoco quanto a isso:

¹ Então falou o Senhor a Moisés, dizendo:
² Fala aos filhos de Israel, que me tragam uma oferta alçada; de todo o homem cujo coração se mover voluntariamente, dele tomareis a minha oferta alçada.
³ E esta é a oferta alçada que recebereis deles: ouro, e prata, e cobre,
⁴ E azul, e púrpura, e carmesim, e linho fino, e pelos de cabras,
⁵ E peles de carneiros tintas de vermelho, e peles de texugos, e madeira de acácia,
⁶ Azeite para a luz, especiarias para o óleo da unção, e especiarias para o incenso,
⁷ Pedras de ônix, e pedras de engaste para o éfode e para o peitoral.
⁸ E me farão um santuário, e habitarei no meio deles.
⁹ Conforme a tudo o que eu te mostrar para modelo do tabernáculo, e para modelo de todos os seus pertences, assim mesmo o fareis.
¹⁰ Também farão uma arca de madeira de acácia; o seu comprimento será de dois côvados e meio, e a sua largura de um côvado e meio, e de um côvado e meio a sua altura.
Êxodo 25:1-10

A mesma madeira que embalou o corpo de Osíris nos mitos egípcios, agora embalaria a Aliança entre Deus e seu povo. Ambos são, à sua maneira, recipientes sagrados da imortalidade — um mito, o outro fé.

A tradição hebraica é tão marcada por essa percepção de eternidade que os antigos israelitas costumavam plantar um ramo de acácia nos túmulos, como símbolo de incorruptibilidade e vida eterna.

Observe como os símbolos se repetem:
uma árvore resistente, sobre um túmulo, anunciando que a morte não é o fim.

Tanto egípcios quanto hebreus viam na acácia uma espécie de ponte espiritual, uma árvore resistente às intempéries e capaz de sobreviver em terras áridas. Em comum:

  • a ligação com o sagrado;
  • a incorruptibilidade;
  • a associação com deuses, pactos e mistérios;
  • o papel de árvore funerária;
  • e a capacidade de indicar vida onde tudo parecia perdido.

Quando compreendemos essa herança cultural, fica muito mais fácil entender por que ela foi adotada pela Maçonaria como símbolo de imortalidade da alma.

Dentro da Maçonaria, a acácia está entre os símbolos mais belos e profundos do Ritual.

A acácia é perene. Mesmo em ambientes áridos, continua verde. Esse caráter incorruptível foi interpretado como metáfora da parte eterna do ser humano — aquilo que, segundo o ensinamento maçônico, “nunca, nunca morre”.

Na cerimônia do Grau de Mestre, a acácia é apresentada como o emblema da imortalidade. Seu verde constante reflete a alma que transcende o túmulo, que vence o desaparecimento corporal.

Assim como a árvore indicou o local do corpo de Osíris, assim como marcava túmulos hebreus, também no ritual maçônico a acácia aparece como símbolo de reconhecimento e lembrança do Mestre caído — ou seja, Hiram Abiff.

Isso reforça o elo entre mito egípcio, tradição judaica e filosofia maçônica.

A acácia, ao longo de milênios, nunca simbolizou apenas imortalidade. Ela representa também:

  • a capacidade de resistir quando tudo parece perdido;
  • o renascimento após a tempestade;
  • a força que surge do caos;
  • a clareza que nasce depois da dor.

Muitos mitos e tradições reforçam a ideia de que a vida se constrói sobre a mudança, e que os períodos de desordem — seja na natureza, seja na alma — antecedem grandes aprendizados.

Segundo essa visão espiritual:

A acácia nos incentiva a atravessar a dor e a perda com consciência, permitindo que a sabedoria brote do caos.

Em outras palavras:
a dor é terreno fértil para o autoconhecimento — assim como o solo árido é fértil para a acácia.

No meu caso, escrevendo ainda com o coração doído pela perda da minha bisavó, percebo que esse símbolo não poderia ser mais apropriado. A acácia é, para mim, neste momento, um lembrete sutil de que aquilo que amamos nunca se perde completamente.

Ao longo dos séculos, cada povo projetou sobre a acácia um aspecto diferente da experiência humana:

  • Os egípcios projetaram o mito do renascimento de Osíris;
  • Os hebreus viram nela a madeira da Aliança e da incorruptibilidade;
  • Os maçons a transformaram no símbolo da alma eterna;
  • A espiritualidade moderna a vê como guia para atravessar o caos;
  • Eu, hoje, a vejo como um abraço silencioso entre passado, presente e futuro — um símbolo que me ajuda a lidar com a morte e a compreender a continuidade da vida.

Assim, o símbolo da acácia não pertence apenas à Maçonaria, mas à sensibilidade humana. Ele nos acompanha na jornada existencial desde o início da civilização.

Existe também a curiosidade moderna de por que a acácia amarela, ou “golden wattle”, é associada à Maçonaria — mesmo não sendo a espécie original usada pelos hebreus.

A resposta é simples:
para a Maçonaria, o que importa não é a espécie botânica, mas o símbolo.

O fato de a acácia ser uma árvore resistente, perene, viva, incorruptível — isso transcende qualquer disputa taxonômica. Seu valor simbólico é universal.

A Maçonaria tradicional ensina que:

“O corpo morre e é enterrado, mas aquilo que em nós se aproxima do que é eterno na natureza nunca perece.”

Aqui está a verdadeira essência da acácia:

  • Ela marca o fim do corpo.
  • Mas também marca o início da vida espiritual.

Assim como o broto verde indica que há vida onde parecia haver apenas morte, a acácia representa o triunfo do espírito sobre o corpo, a vitória da vida sobre a morte.

Essa é a razão pela qual ela é utilizada em cerimônias fúnebres maçônicas:
o ramo colocado sobre o caixão é uma promessa silenciosa de continuidade.

O simbolismo da acácia nunca foi tão real para mim quanto agora. A morte recente da minha bisavó me fez revisitar tudo o que sei sobre eternidade, espírito, memória e amor.

Escrever este texto é, de certa forma, uma forma de plantar uma acácia sobre a memória dela — um símbolo de que:

  • o amor dela não morre;
  • os ensinamentos dela permanecem;
  • as sementes que ela plantou seguem germinando;
  • a presença dela nunca será totalmente apagada.

A acácia, com toda sua história, me ajuda a compreender a perda de forma menos fria e mais espiritual.

Após percorrer mitos egípcios, tradições hebraicas, simbolismo maçônico e reflexões espirituais, fica claro que a acácia é mais do que uma árvore, ela é uma metáfora universal da condição humana.

Para a Maçonaria, ela é o signo da ressurreição moral e espiritual.
Para os antigos, era a encarnação da própria vida.
Para mim, hoje, é uma forma de transformar o luto em compreensão — um lembrete de que a alma nunca se apaga.

A acácia cresce onde ninguém espera, floresce onde tudo parece seco e resiste onde outras árvores falhariam. Talvez por isso seja um símbolo tão poderoso da imortalidade da alma. Porque assim como a acácia, o que é verdadeiramente essencial em nós permanece, mesmo quando o corpo retorna à terra. E talvez essa seja, afinal, a mais bela lição que o símbolo nos oferece.

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Respostas de 2

  1. Um texto excelente, que nos leva a refletir sobre a importância da vida, da morte e de tudo o que elas representam. Mais do que mitos egípcios, tradições hebraicas, simbolismos maçônicos ou reflexões espirituais, permanecem os ensinamentos e as experiências humanas: a memória, os momentos, o amor, o afeto e tantas outras vivências que só quem compartilhou pode compreender.
    Abraços fraternos!

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